Da vida real a gente nunca sabe, mas nos dizem as letras que
o Vininha gostava do ato de amar. Nesta, ele repreende quem o teme.
Você não compreendeu
que o ciúme é um mal de raiz
E que ter medo de
amar, não faz ninguém feliz
[...]
E compreender que o
ciúme é o perfume do amor.
Vina não fala do perfume-do-vidro, excessiva camuflagem do
verdadeiro perfume da canela, da fruta, da pele. Pois se ele nos conta que é
mal de raiz! Não trata, portanto, do perfume que se põe, mas daquele da
essência da coisa perfumada. A possível confusão é culpa da língua equívoca que
dá palavra idêntica ao efeito e ao fluido que, por vezes, é sua causa.
E é aí que, me parece, está o engano do letrista. O ciúme
não é o perfume-essência do amor. O ciúme não emana do amor, ele lhe é
acrescido. Não vem do amor, ele o tempera.
Quando a canto, troco no verso o perfume pela pimenta. Vinícius
sabia de notas e ritmos, suas canções embalam. Não é sonora minha troca, não
sou do ramo, mas fica mais verdadeiro.
“E compreender que o ciúme é a pimenta do amor”
Os pratos mais que perfeitos, sobretudo os perfeitos demais,
clamam pelas pimentas. Elas são muitas na forma, no sabor, no seu próprio
perfume-essência e no seu poder.
O vaidoso precisa do ciúme-malagueta para fazer jus ao
encanto que lhe causa a própria imagem no espelho.
O que ama demais, inseguro que é, tem que receber o ciúme-dedo-de-moça,
que, por delicado, pouco arde no fio-terra. Tem que ver, no rosto do idolatrado,
a marca da pequena dúvida, nos olhos um pouquinho ansiosos e no bico de muxoxo.
Tudo na medida certa: pimenta, como ciúme, exige exatidão.
Enriquece, se bem aplicada, e afugenta, se extrapolada. E é assim que se salpica
ciúme no amor: cada prato, combinado com cada paladar, com sua medida.
Ainda que na letra não houvesse a chave do “mal de raiz” e o
ciúme fosse perfume-fluido em vez de perfume-essência, a comparação não seria
boa, já que o excesso do primeiro não enlouquece, enjoa. E o fim do amor por
conta do ciúme errado não é “chover o ano inteiro chuva fina”, mas é como “cair
do elevador”.
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