segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Peço vênia, Vina

“Medo de Amar” é daquelas canções que massageiam a dor. Lenimento do dia-a-dia. Gelol pra alma. O piano do Tom – exato como acordes do João – e sua voz cheia de ar – tão caseira! – espalham no carro uma água tépida que, em vez de rodas, levam a gente pra casa no fim do dia. Longo caminho.

Da vida real a gente nunca sabe, mas nos dizem as letras que o Vininha gostava do ato de amar. Nesta, ele repreende quem o teme.

Você não compreendeu que o ciúme é um mal de raiz
E que ter medo de amar, não faz ninguém feliz
[...]
E compreender que o ciúme é o perfume do amor.

Vina não fala do perfume-do-vidro, excessiva camuflagem do verdadeiro perfume da canela, da fruta, da pele. Pois se ele nos conta que é mal de raiz! Não trata, portanto, do perfume que se põe, mas daquele da essência da coisa perfumada. A possível confusão é culpa da língua equívoca que dá palavra idêntica ao efeito e ao fluido que, por vezes, é sua causa.

E é aí que, me parece, está o engano do letrista. O ciúme não é o perfume-essência do amor. O ciúme não emana do amor, ele lhe é acrescido. Não vem do amor, ele o tempera.

Quando a canto, troco no verso o perfume pela pimenta. Vinícius sabia de notas e ritmos, suas canções embalam. Não é sonora minha troca, não sou do ramo, mas fica mais verdadeiro.

“E compreender que o ciúme é a pimenta do amor

Os pratos mais que perfeitos, sobretudo os perfeitos demais, clamam pelas pimentas. Elas são muitas na forma, no sabor, no seu próprio perfume-essência e no seu poder.

O vaidoso precisa do ciúme-malagueta para fazer jus ao encanto que lhe causa a própria imagem no espelho.

O que ama demais, inseguro que é, tem que receber o ciúme-dedo-de-moça, que, por delicado, pouco arde no fio-terra. Tem que ver, no rosto do idolatrado, a marca da pequena dúvida, nos olhos um pouquinho ansiosos e no bico de muxoxo.

Tudo na medida certa: pimenta, como ciúme, exige exatidão. Enriquece, se bem aplicada, e afugenta, se extrapolada. E é assim que se salpica ciúme no amor: cada prato, combinado com cada paladar, com sua medida.

Ainda que na letra não houvesse a chave do “mal de raiz” e o ciúme fosse perfume-fluido em vez de perfume-essência, a comparação não seria boa, já que o excesso do primeiro não enlouquece, enjoa. E o fim do amor por conta do ciúme errado não é “chover o ano inteiro chuva fina”, mas é como “cair do elevador”.

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