segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Tom Jobim e sua mais que fotografia da Elis

Se o rigor fosse qualidade de música popular, devia se chamar quase-fotografia, pois não o é exatamente, ou melhor ainda, mais-que-fotografia, pois vai além.
Mas é Tom. Chama-se “Fotografia”. Simples assim.
Eu, você, nós dois / aqui neste terraço à beira mar. Um casal e um bar de terraço.
Um a um, vão se pintando os elementos do fim de tarde, do início da noite. “O sol vai caindo e o seu olhar / parece acompanhar a cor do mar. As cores mudam no mar e mudam nos olhos da mulher. Em nenhum momento a diz bonita, a cor dos olhos acompanha a cor do mar, afinal olhos refletem. Se a vemos bonita, é por nossa própria conta e risco.
A resistência-teste da mulher ameaça o momento, o querer afoito. Você tem que  ir embora /  a tarde cai / em cores se desfaz, escureceu”, mas vêm os dois grandes versos em socorro“O sol caiu no mar /  e aquela luz / embaixo se acendeu”. Teste em que o autor é aprovado com distinção e louvor. Nãomoça queembora com a chegada da beleza. Não da mesa do Tom.
E está a inveja suprema do fotógrafo. Tudo era fotografia, mas agora o sol caiu no mar e aquela luz embaixo se acendeu. Preparada a paisagem, por si deslumbrante que é Rio, diante dos olhos encantados de dois namorados tira-se o sol e pinga-se uma luz de lâmpada. A primeira de muitas. No terço horizontal da esquerda pra direita e no terço vertical de cima pra baixopouco céu, como bem cabe a uma cena profana. Vem  como a primeira estrela no campo, essa primeira luz na cidade. E à primeira luz/estrela, a mulher está conquistada. Fim da primeira parte. Você e eu.
Agora estão sozinhos, o bar se esvaziou e uma grande lua sai do mar e os enluara, pois é penumbra. Sozinhos neste bar à meia-luz / e uma grande lua saiu do mar.
Conquistada a ficar, marido largado?, dedos por se tocar, a ameaça agora é outra e implacável “parece que esse bar vai fechar. Desespero. Todos sabem como os donos de bar são irredutíveis, sempre querendo ir pra casa nas melhores horas da noite. Se fechar, haverá conta a pagar, diálogo com o garçom, talvez ir a outro lugar, tudo para desfazer o terreno conquistado. Frágil conquista. Bem agora que tudo conspirou pelos dois.
resta apelar às canções. Afinal, elas lembram as velhas histórias de desejo. Todas elas. Agora nãoconquistador e conquistada, ambos vão às canções. Têm que apressar os desejos, pois as cadeiras estão em cima das mesas.
E veio o desejo. “E veio aquele beijo. Foi por pouco. “Veio”, porque ninguém pediu, foi coisa do mar e do seu pôr-do-sol. Transgressão das canções.
Até esse desfecho qualquer bom intérprete servia. Há vários e imensos, afinal o João a cantou. Mas o encerramento é de Elis, que, se respeitou até aqui a elegância do poema, agora rasga a fantasia, poisagora é beijo e beijo é comigo mesmo”.
E ela repete e repete, e alonga aquele beijo até não mais poder. Até a loucura do produtor Aluysio de Oliveira, que gesticula “Para! Para! Ce acha que o orçamento desse disco é infinito?”, pois Elis é um dos grandes cantantes da nossa música, mas é mulher.



Eu, você, nós dois
Aqui neste terraço à beira-mar
O sol vai caindo e o seu olhar
Parece acompanhar a cor do mar
Você tem que ir embora
A tarde cai
Em cores se desfaz,
Escureceu
O sol caiu no mar
E aquela luz
em baixo se acendeu...
Você e eu
Eu, você, nós dois
Sozinhos neste bar à meia-luz
E uma grande lua saiu do mar
Parece que este bar vai fechar
E há sempre uma canção
Para contar
Aquela velha história
De um desejo
Que todas as canções
Têm pra contar
E veio aquele beijo
Aquele beijo
Aquele beijo


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